19.7.17

Quando ficamos sem chão

Os maiores sustos da vida, arrisco-me a dizer, são os que sofremos com quem mais amamos. De alguma forma, lá vamos conseguindo enfrentar as nossas adversidades, aguentamos, sofremos muito em silêncio... O pior é quando vemos os nossos em perigo. Quando tomamos consciência de que podemos ficar sem eles. Já tive alguns desses sustos e também já perdi alguém. Mas a última vez que fiquei sem chão foi no domingo passado.
Eu quase que me habituei à profissão do meu marido. Eu digo quase porque acho que nunca vou aceitá-la completamente. São inúmeras as vezes que lhe digo que queria tanto que ele fosse contabilista para estar todas as noites em casa e fora de perigo. Ele ri-se. Também já se cansou de me dizer que isso não é para ele.
Eu não sei de onde apareceu a minha ansiedade e os meus ataques de pânico, mas quase que apostava que tiveram origem no momento em que ele decidiu ser piloto de helicóptero. Passei a estar num estado de alerta permanente, sempre com medo do que possa acontecer, atenta às notícias... A minha angústia começa em Abril. Começam os treinos de preparação para a época de fogos florestais. Depois, pode ter que ir buscar um helicóptero ao estrangeiro e são uns 2 ou 3 dias a vê-lo a atravessar a Europa, sempre à espera que aterre para saber que está bem. Em Junho, começa o inferno que todos conhecemos em Portugal. Infelizmente, vivemos num país de pirómanos, malucos ou de interesses duvidosos e temos um país lindíssimo a arder durante 4 meses. Eu tento não pensar muito no que ele faz, mas o mediatismo dos incêndios em Portugal faz com que eu esteja a vê-lo muitas vezes em directo a apagar fogos!
Este domigo ele saiu como é habitual para o seu trabalho. Começou a apagar o fogo de Alijó logo às 8:30 e por lá passou a manhã toda. Às 9:30 vi o que ele andava a fazer porque a SIC Notícias estava em directo no local do incêndio. Perguntei-lhe se o helicóptero dele era o preto e, quando ele teve uma pausa, confirmou que sim. Mostrei o papá à Maria Victória e ela ficou toda orgulhosa com o seu herói e com o Tobias (o nome que ela tinha dado ao helicóptero). Partilhei mesmo este vídeo dele em directo. Por volta das 3, ele diz-me que está muito enjoado e que não vai conseguir acabar o dia. Pediu para ser substituído. Estava há horas exposto a um calor intenso, fumo e constantemente a ir buscar água à barragem para lançar logo em seguida no fogo. Essa repetição pode fazer com que fiquem zonzos. Em quase 10 anos de experiência, ele nunca tinha ficado assim. Perguntei se queria que o fosse buscar, mas recusou. Fiquei em casa a aguardar que chegasse. Vim para o jardim com a Maria Victória, ela brincou imenso na piscina, enchemos balões, foi mesmo uma tarde de domingo divertida. Tinha o telemóvel a carregar no interior e fui buscá-lo. Já tinha uma série de chamadas perdidas, mensagens e estava a receber mais chamadas. Perguntavam se estava tudo bem com o Luís Filipe e se era ele que estava no incêndio de Alijó. Tinha caído um helicóptero! Fiquei sem chão! E estava com a minha filhinha ao lado! Corri para a TV e vejo um helicóptero preto desfeito no chão. Aquele helicóptero que eu tinha partilhado de manhã estava todo destruído. Só mais tarde percebi que o piloto estava bem. A Maria Victória perguntava se o helicóptero tinha caído e eu evitava-a, ao mesmo tempo que procurava desesperadamente ter notícias verdadeiras e tentava responder a quem me pedia notícias. Agradeço aos amigos que me informaram logo que não tinha sido ele. O piloto que o veio substituir tinha caído logo na primeira saída. Foram minutos de uma aflição indescritível. Só consegui falar com ele umas 2 horas mais tarde e por breves segundos. Esteve sempre com o outro piloto e só veio para casa muito tarde. Infelizmente, houve outra família que também deve ter ficado sem chão.
Ainda não recuperei do grande susto que apanhei e vou continuar a desejar que ele enverede por uma profissão normal. É muito aflitivo saber que o pai da casa vai trabalhar 12 ou mais horas seguidas numa profissão de alto risco, muitas vezes longe de casa. Já me podia ter habituado ao fim de 10 anos, mas não quero.

4 comentários:

  1. Como eu a percebo,o meu marido foi bombeiro durante anos,eu própria também fui e sempre que iam para fogos dias seguidos telemóveis não havia a angustia era enorme e de vez em quando lá se tinha noticias escassas mas sempre era melhor que nada e agora tenho a minha filha como assistente de bordo,também só descanso quando aterra e diz estar tudo bem, há anos ouve um acidente com um avião da companhia dela e eu estava a trabalhar e não tinha acesso ás noticias,quando mais tarde peguei no telemóvel eram imensas mensagem a perguntarem se estava a voar e se estava tudo bem,só que ela ia a caminho de Boston e não fazia ideia do que se estava a passar e aí uma pessoa fica mesmo sem chão. Muita força e coragem o seu marido tem uma profissão linda a ajudar os outros ele é muitas vezes a único esperança de quem vê todo o trabalho de uma vida desaparecer, que Deus o proteja e á sua família bj Maria João

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    1. Muito obrigada pelas suas palavras, Maria. São muito reconfortantes...

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  2. Olá! Vc falou sobre a tocofobia mas depois não falou mais. Na hora não estava em pânico? Pro parto? Pro elevador? Hoje vc acha que não tem mais fobia?

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    1. Olá Ana! Sim, continuo com um pouco de tocofobia, sim. Na verdade, não voltei a ter mais filhos, talvez até seja por isso. No entanto, na hora do parto nunca, nunca, me lembrei de ter medo. E essa foi a última vez que andei de elevador. Se precisar falar, manda email ou manda mensagem para o facebook www.facebook.com/testepositivo

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