Coloquei-me e à minha filha em isolamento social muito antes do governo o impor. Na altura, não me custou nada. Em isolamento social já vivo eu há mais de 12 anos, desde que comecei a trabalhar em regime de tele-trabalho. 98% dos meus colegas de trabalho vivem no estrangeiro e nenhum dos portugueses vive por perto. Antes de ser mãe, era frequente sair ao fim do dia para um lanche com os amigos e fins-de-semana sempre bem animados. A criança nasceu e a reclusão impôs-se. As rotinas, os horários, as refeições, tudo passou a ser feito em função dela. Eu sofro de ansiedade generalizada. Fazer cenários, quase sempre fatalistas, é-me muito fácil. Porém, nunca fiz uma projecção de testemunhar o que vivemos hoje. Aliás, testemunhar, talvez. Estamos habituados a assistir à distância a várias desgraças por esse mundo fora. Por mais cruel que possa parecer, quando a desgraça é aqui ao lado choca-me mais. Eu sei que uma vida é uma vida, seja lá onde for, mas consigo mais facilmente colocar-me no lugar de uma família europeia do que no de outra no Sudão do Sul. Viver isto está a ser uma experiência completamente surreal. Procuro abstrair-me e, às vezes, parece que estou a ver nas notícias os números de outros países, mas não. São mortes em Portugal, mortes que crescem todos os dias. Uma peste democrática que atinge todos, aqui ou na China, ricos ou pobres, homens ou mulheres, com estudos ou sem estudos. Nos momentos de lucidez, a ansiedade toma conta de mim e até parece que assumo como meus os sintomas desta doença. Tenho a sorte de ter uma casa enorme, cheia de espaço no interior e no exterior. Esta casa que me causava uma sensação de pequenez e de isolamento do mundo real, por se situar numa aldeia, agora proporciona-me a segurança e o conforto que me permite manter alguma sanidade mental. Nos dias bons, brincamos na rua, corremos, faço caminhadas, jogamos à bola, fazemos churrascos, contemplamos a Natureza a acontecer. Tudo dentro do meu jardim. Se estivesse num apartamento no centro da cidade, como tanto reclamo, já tinha enlouquecido. Nos meus pensamentos estão essas famílias que têm que se acomodar nos seus espaços exíguos, crianças saturadas, com falta de uma corrida. Penso também naqueles que não têm como se abastecer, que dependem de outros para sobreviver, naqueles que precisam de sair para trabalhar porque são indispensáveis ao país... E sinto-me inútil.
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