26.4.22

Ela cresceu sem irmãos.

Valeu-lhe ter tido muitos primos que colmataram essa falta. Ela era a mais nova, mas havia pouca diferença de idades. Eram amigos, cúmplices e protetores.

Um dia desapareceram quase todos. Escolhas.

Não há com quem partilhar a infância. Restam as memórias de uma infância feliz e a ilusão de um dia voltar a ser criança.

24.4.22

Ela chorou

Era a benção das pastas. A cidade estava cheia de rapazes e raparigas trajados, acompanhados das suas famílias. Ela ia de carro com a filha e explicou-lhe que aqueles jovens tinham terminado os seus cursos.

Entretanto, parou na passadeira para deixar passar uma miúda trajada e os seus pais. Os senhores, mais velhos, tinham um ar humilde. A filha, que ia no banco de trás do carro, comentou que a miúda trajada ia toda contente por ter terminado o curso.

A mãe começa a chorar e, com a voz embargada, diz-lhe que os pais devem estar ainda mais contentes. A criança não percebeu e pergunta-lhe porque chorava, se era apenas uma rapariga na rua.

Claro que a mãe chorava porque já se imaginava dali a uns anos a emocionar-se com o fim do curso da sua filha.

E se eu não quiser tirar um curso? Atira a pequenina. 

A mãe explicou-lhe que só queria que ela fosse feliz. Com curso, sem curso. A mãe continuou a chorar, lembrando-se que os seus pais também ficaram orgulhosos quando ela terminou o curso. 

16.4.22

Ela estava com dores.

Ainda assim, foi jantar com os amigos ao café. Pediu um hambúrguer no prato, mas colocaram batatas no forno, em vez das tradicionais batatas fritas. Ficou desconsolada.

A indisposição não abrandava, então, foi para casa com a amiga. Os homens ficaram no café. Acho que havia jogo. 

Quando o marido chegou, à meia noite, as dores intensificaram. Foi tomar banho e começou a registar as contrações que sentia. Eram muito regulares e próximas e, ainda assim, não achou possível ser trabalho de parto, visto só estarem nas 36 semanas.

A noite foi toda nesse registo. Teve desconforto e dores, mas não recorda isso. Só às 21:25 nasceria o seu grande amor. 

A partir desse dia, nunca mais sossegou. As dores de parto são, agora, dores de preocupação. O amor, esse, é exponencial.

Parabéns, meu Amor! 

15.4.22

Ela fez uma colonoscopia

e endoscopia. Não lhe custou nada passar fome. O que custou é beber aquela solução salgada disfarçada de sumo de limão.

Limpar o intestino também não foi nada de especial. O pior foram as hemorróidas que vieram dizer olá.

A equipa médica era totalmente masculina. Foram impecáveis, mas não deixa de se sentir vergonha. Até pelos calções com uma abertura atrás que tinha vestido. 

A droga foi muito boa e soninho soube muito bem. Não houve dores e era isso que estava previsto. 

No intestino só a declarar as hemorróidas que já não visitavam há muitos anos. No estômago uma gastrite e aguarda-se o resultado da biópsia.

12.4.22

Ela está tão cansada

que nem tem palavras. 

11.4.22

Ela está farta.

Cansou-se das redes sociais. É tudo pouco autêntico, tudo muito encenado. A vida não é assim e há pouca margem para ensaios.

De manhã vai ao Facebook ver as notícias. Apesar de ser uma rede social mais foleira porque não tem aquela curadoria do Instagram, é mais autêntica. Nestes tempos, preciso mais de verdade. E não é aquela verdade encenada do Instagram. É a verdade verdadeira que me faz falta. Aquela que sai de dentro e não consegue caber numa foto com filtros.

Recebi várias mensagens a perguntar onde teria ido, se estaria tudo bem. Os meus sabem que está tudo como sempre esteve. Quem perguntou foi quem não me conhece bem. Foram atenciosos e senti-me importante para elas. No entanto, esta pausa está a saber tão bem. 

A vida prossegue como sempre.