21.3.25

Descida aos infernos

Ontem voltei a não dormir bem. Tem sido a dominante nestes dias. O pior foi que, quando fui ao telemóvel, ainda na cama, vi uma notícia de uma mulher que tinha morrido após luta contra 3 cancros. Li a notícia e vi que partilhava o seu dia a dia no Instagram. Fui ver. Má ideia.
O Instagram Iolanda tinha muitas publicações. Recuei até ao momento em que ela partilha o seu diagnóstico. Já não me consegui levantar da cama. A Iolanda sentiu um nódulo na mama enquanto amamentava a filha de 2 meses. Já tinha outro filho um pouco mais velho. Todas as publicações eram cheias de esperança, muita animação, muita diversão com os filhos, muita fé em Deus. Em 2 ou 3 li mesmo que os resultados tinham chegado e estava limpa de células cancerígenas.
Mas não estava. Não estava porque novos cancros chegavam e a Iolanda parecia estar continuamente em tratamento, cirurgias… E em 3 anos, morreu. Deixou 2 filhinhos, marido e pais sem aquela alegria.
Ontem não consegui tirar o pijama e fui-me realmente abaixo. Apesar da minha oncologista me ter dito que já não tinha tumor, que os meus tratamentos eram preventivos e curativos. Mas a semente da dúvida já tinha sido lançada. Comecei a pensar que poderia estar enganada em relação à minha situação e voltei a ser a Mara ansiosa que só vê o pior cenário. Alimentei incertezas, duvidei dos meus médicos, foi muito mau…
Falar com os amigos ou familiares saudáveis também não ajuda muito. Eles não conseguem compreender e ainda bem para eles. Espero realmente que nunca compreendam.
A Iolanda não perdeu a batalha contra o cancro. Ela ganhou-a todos os dias. Ganhou-a todos os dias em que apareceu para fazer os tratamentos, todos os dias em que se manteve animada apesar das circunstâncias. Para mim, ganhou tudo! Os filhos vão ter imensas memórias de uma mãe incrível. 
Ontem tomei uma decisão. Não posso ler notícias destas. Se no início deste processo eu sentia a necessidade de me aproximar desta comunidade oncológica, hoje sinto vontade é de me afastar. Não tenho estrutura para lidar com estas situações. E não quero. 
Nas minhas redes sociais, estou a tentar mudar o algoritmo para que não me mostre estas coisas, para que não me “apresente” estas pessoas. É muito triste, eu sei, mas não consigo. Preciso de me focar na minha cura total e preciso de me ver curada. Preciso de visualizar a vida que quero ter depois disto passar.
Acho que foi importante ter mergulhado tão profundamente para conseguir ganhar impulso e voltar à superfície. Da mesma forma que tenho cuidado com o que como, com o exercício que faço, também tenho que acautelar o que dou de alimento às minhas emoções. 


20.3.25

Quimio 9/12

1 - Insónias. Custou-me sair da cama e não quero meter-me em mais drogas do que as que já tomo. Tenho andado a tomar melatonina, mas já tomo tarde e consequentemente adormeço muito tarde. Tenho que acordar sempre às 7:30 para ajudar a MV a preparar-se para o colégio e já não consigo voltar a dormir. Têm sido vários dias com apenas 5 horas de sono e não lido bem com isso. Preciso de me disciplinar no descanso.

2 - O cadeirão é desconfortável. Apesar de dar para reclinar, tem outras funções que não estão operacionais. Dormir naquela sala não é fácil porque tem muita luz. Deveria ter trazido qualquer coisa na cabeça porque a sensação de sentir a pela da cabeça colar no cadeirão é muito desagradável. Mas estava tão cansada que, após os anti-histamínicos, dormi assim mesmo. 

Hoje levei a manta e o tablet para continuar a ver a série Adolescência (ainda não acabei). Senti uma vontade enorme de falar com a minha filha e um medo de usar corações, já que desconheço a mensagem subliminar que cada cor tem. A adolescência dos tempos de hoje tem desafios muito perigosos e isso preocupa-me muito. 

3 - Estava tão ferrada a dormir (apesar do desconforto) mas tive que fazer a escala habitual na casa de banho. Ganhei forças para me levantar porque uma senhora muito simpática da Liga Portuguesa contra o Cancro apoiou as mãos no braço da minha cadeira porque me queria oferecer um lanche. Agradeci e disse que já tinha comido porque eu vou sempre prevenida. 

Entretanto, ela olha de novo para mim e pergunta-me se eu ainda não tinha ido lá acima (deveria estar a referir-se à associação Borboletas aos Montes) buscar uma peruca. Com a mesma simpatia, expliquei-lhe que tinha várias em casa e que eu gostava de não usar nada. Ficou um pouco desconcertada e afastou-se, compreendendo. 

Eu sei que pode ser chocante andar com a cabeça nua. Mas já o é cada vez menos. Gosto de ter opções, até gosto de me ver de peruca, não gosto de me ver com outros acessórios, mas o mais confortável é não usar nada. Para mim, é assim. E já ando a ver novas perucas. Continuo a gostar. 

4 - Ao fim de 9 viagens destas, isto já não tem muita graça. O cansaço e a impaciência instalaram-se. Será que isto nunca mais acaba? Admito que estou farta disto. Sinto-me mais fraca emocionalmente, com muitas dúvidas e acho que é normal. Este processo é muito longo, há margem para acontecerem muitas coisas e o estado de espírito não é linear. É preciso saber acolher esses momentos de incerteza e insegurança e, no dia seguinte, levantar a cabeça e seguir rumo à cura total. 

5 - A desmontagem do material. Debaixo da minha pele está um acesso intravenoso para receber a medicação. Já falei aqui sobre isso. Desta vez, mostro como se retira. E é super simples porque é apenas uma agulha que fica instalada no tal acesso. E eu até tenho que colocar uma agulha maior porque aparentemente o meu cateter está muito profundo (ou seja, não é imediatamente debaixo da pele) e uma agulha maior é mais segura para que a medicação passe sem problemas. Não dói nada. O que mais me custa é tirar o adesivo porque faço sempre uma pequena reação.



16.3.25

Quimio 8/12

Na segunda-feira fui sozinha fazer as análises. Habitualmente, vai comigo, fica no carro e eu entro. Se houver necessidade, ela tira o carro. O estacionamento no hospital é reduzido e é mais rápido de deixar o carro à porta, sem dificultar o trânsito. Não afeta mesmo. E a mim facilita-me imenso. A minha mãe está doente e não me acompanhou. Não foi uma coisa rápida. Demorei imenso tempo na consulta de enfermagem, mas consegui falar com uma médica que me prescreveu uma pomada com corticoide para a alergia que tenho nos dedos.

No dia seguinte, fui fazer a quimio, mas antes tive consulta de nutrição. Não se acrescentou nada. Análises ok, peso como antes. Não vamos mudar nada porque não posso fazer dieta. Acredito que quando acabar a quimioterapia tudo voltará ao normal. O Dr. Edgar estava com 2 estagiários que ficaram surpreendidos quando me viram. Depois de verem a confiança com que me movo, ficam mais tranquilos e relaxam. 

Sigo para a quimio. Business as usual, mas desta vez dormi. A insónia tem tomado conta de mim, por isso assim que me deram o anti-histamínico, adormeci. Não estava nada confortável. Prefiro as camas, aqueles cadeirões são desconfortáveis. Recusei o almoço que me ofereceram porque tinha levado um pão, banana e um sumo. Tinha mais sono do que fome. E rapidamente, o tratamento acabou. 

Esta semana está a ser mais dura. Sinto-me cansada, mesmo cansada. Os treinos foram difíceis, como se o corpo não correspondesse aos meus comandos. Simplesmente não há força. A neuropatia também já se instalou. 3 dedos da mão direita e 1 ou 2 da mão esquerda já estão meio dormentes. Também já sinto algumas dores musculares e articulares. Não deve ser do treino porque nem foi assim tão duro. Hoje fui fazer uma caminhada, mesmo sentindo-me muito cansada, para tentar atenuar a fadiga. 

E estou sem paciência para escrever. Adiei mesmo até hoje. 

Efeitos adversos: insónia, fadiga, dores musculares e articulares, neuropatia. 





8.3.25

Dias difíceis

Os dias que se seguiram à última quimio têm sido mais difíceis do que o habitual. 

Não tenho dores de qualquer espécie, mas tenho uma inércia que não estou habituada a sentir. E eu sou bastante preguiçosa, mas isto é outro nível. 

Tenho dificuldade em dormir, durmo pouco, mas também não tenho ânimo para sair da cama. Passei todas as manhãs na cama. Levanto-me para almoçar e volto para a cama ou o sofá. 

O tempo não tem estado de feição para ir caminhar, por isso esta semana não fiz caminhadas. Se estivesse sol, talvez tivesse mais vontade. Fiz 2 treinos esta semana. Não me custou muito fazê-los, mas se tivesse que sair de casa para treinar, não teria ido.

Quando limpo o nariz sai sempre sangue, mas não chega a ser uma hemorragia. É dos anticoagulantes que me injetam durante a quimio. Pelo menos, as plaquetas ainda fazem a sua função. 

A minha memória está pelas ruas da amargura. Falta-me vocabulário, tenho hesitações a conversar. Isto, sim, preocupa-me. Fala-se muito em chemo brain e brain fog. Tenho que perceber de que forma posso contornar este problema porque não estou a conseguir lidar com isto. Retomei as aulas de italiano para pôr a cabeça a pensar em algo novo.

Esta semana também bateu uma depressãozinha. Nunca me senti tão em baixo desde aquela altura em que aguardava o diagnóstico. Passaram 3 meses desde que isto tudo começou e estou a acusar o cansaço de quem ainda tem tanto pela frente. Perdi aquela pica de me livrar desta merda. Na próxima segunda faço análises, na terça faço o tratamento e é mais do mesmo durante mais 5 semanas. Estou farta!

O cabelo não cai todo, mas cai imenso e o que resta dele continua a crescer. Só deve cair completamente quando começar a quimio vermelha. Ainda falta mais de um mês. Passar a máquina na cabeça provoca-me borbulhinhas. Andar de cabeça nua faz-me frio. Não gosto de usar gorros ou chapéus na cabeça sem cabelo. Os lenços fazem-me lembrar a puta da doença. 

Hoje pus a peruca mais parecida com o meu cabelo. Achei super estranho. Já não me revejo no cabelo comprido. 

Estou cansada de tudo. Hoje perdi a paciência com as piadas do Filipe. Habitualmente sou eu que faço graças com a minha situação, mas cansei-me! Estou zangada por estar careca, por ter engordado, por ter a minha vida suspensa. Há tanta coisa que eu quero fazer e estou presa a isto, a lutar para ter uma vida melhor e mais longa. 

O meu braço direito está a preocupar-me. Dói-me, está ligeiramente mais inchado do que o esquerdo. Ando a fazer drenagem manual a mim própria, mas tenho receio que fiquei assim para sempre. Ou pior, que inche de forma irreversível. 

Tenho a sensação de que as minhas sobrancelhas estão a começar a cair. Só mais uma coisa a acrescentar à lista…

Ir-me abaixo é sinal de que tenho as emoções no sítio. Já estava a achar estranho estar sempre motivada e animada. Quem pode estar sempre assim num processo de cancro? Parecia que estava a dissociar-me do que me estava a acontecer, mas é bom olhar para as dificuldades de frente e voltar a enfrentar tudo com força. 



4.3.25

Quimio 7/12

Ontem fiz quimio. Excepcionalmente não foi à terça, por ser Carnaval, por isso fui lá ontem. Estava uma autêntica feira porque devem ter passado tudo o que era de terça-feira para segunda e quarta. Esperei mais do que o habitual para ser chamada para as análises. Fui colher as análises na sala dos tratamentos e foi o enfermeiro que habitualmente está comigo que me recebeu. Pela primeira vez, colheram-me o sangue para análise através do CTI. Fizeram a preparação habitual e aplicaram-me o cateter externo de onde retiraram o sangue. Depois, fiquei já com o cateter colocado para fazer a quimio à tarde e poupei mais um furo no braço. 


Quando cheguei, fui a um gabinete onde estavam 2 médicas jovens. Falamos das análises, estava todo ok, segui para o tratamento. 

Gosto muito mais de estar na sala das camas. É mais confortável, consigo dormir e até baixam a intensidade das luzes. Habitualmente, os outros pacientes preferem os cadeirões porque acham que as camas lhes fazem lembrar que estão doentes. 

Logo depois de me injetarem o anti-histamínico, adormeci. Levei a mantinha e que bem que soube o soninho… Pouco depois de acordar, chegou a minha médica com um interno. Eu tinha uma lista de questões nas minhas notas. Tenho a sensação de que os médicos não gostam de ser questionado e remetem logo para segundas opiniões. Eu só pedi orientações a nível de suplementação segura, mas deixaram ao meu critério. 

Pausa estratégica para ir à casa de banho. Aqueles soros todos dão uma vontade louca de fazer xixi. Vou sempre acompanhada do material.  


Entretanto, a medicação correu toda, limparam o cateter com soro, colocaram um penso no local que picaram e saí. 

Ir à quimio tem sido um processo muito tranquilo. Já sei que saio de lá meio abananada e que nos dias seguintes me sinto mais cansada.

Esta noite não dormi bem. Acordei muito cedo, não voltei a adormecer. De manhã treinei e arranjei-me. Não dormi sesta porque tive consulta online com o psicólogo. Vou ver se consigo dormir cedo e recuperar algum descanso.

3.3.25

Amigas

Ontem foi sábado e as minhas amigas convocaram-me para um lanche. Só uma não pôde ir e eu também não me recusei a ir. Estava um belo dia de sol, embora muito frio. 

Agasalhei-me e levei a Blondie. Estava muito frio para sair de cabeça descoberta. Passámos a tarde numa esplanada no centro da cidade. 


Já sentia falta de estar com as meninas, embora falemos com muita regularidade. É bom ouvir os problemas dos outros, para variar. Aliás, é importante que os nossos amigos percebam que os problemas deles continuam a ser importantes e que juntos possamos resolvê-los. E é importante rir e eu rio muito com as minhas meninas.

Enquanto estava com elas, recebi uma chamada de uma pessoa muito especial para mim. Ela é a minha amiga mais antiga porque a conheço desde que nasci. Foi a minha madrinha de casamento. Falamos muito pouco agora, e ela nem sequer está assim tão longe, mas simplesmente as nossas vidas foram seguindo rumos diferentes. O amor entre nós não muda, falemos muito ou pouco. 

Regresso à mesa das amigas e o telefone toca de novo. Recebo uma chamada de S. Tomé e Príncipe. Outra amiga especial, com quem partilhei um estágio como professora. Já não falávamos há imensos anos, mas fiquei mesmo feliz por ela me ter procurado. Ainda bem que tenho o mesmo número de telefone desde 97. Sim, sou mesmo antiga. 

O desafio que estou a enfrentar está a aproximar-me de pessoas que já foram próximas. Uma doença coloca-nos de frente com a nossa finitude. Sabemos que um dia vamos morrer, mas uma doença lembra-nos disso constantemente. E o mesmo acontece quando é alguém com quem já nos cruzámos em algum momento da nossa vida.

É muito bom que tenhamos bem presente a impermanência da vida e que tenhamos a coragem para fazer aquele telefonema, mandar aquela mensagem. Não adiar. 

Sou muito grata pela onda de amor que tenho recebido. E não é só pena, sinto que também é admiração e isso faz-me muito bem e dá-me muito ânimo para enfrentar os meus dias.