16.2.25

É só cabelo?

Não sabia qual seria o momento certo para cortar o cabelo, mas entretanto percebi. Ficou claro para mim quando estava a ser difícil controlar a queda de cabelo. Na terça-feira, dia 11, sem quaisquer receios, pedi ao Filipe que me rapasse o cabelo. A Maria Victória quis ver, a minha mãe não teve coragem.

Montei o tripé e pus o meu telemóvel a filmar. A miúda estava muito apreensiva e o Filipe perguntava se estava pronta. Estava, claro. Preparei-me para este momento há mais de 2 meses, quando suspeitei do pior. Prendi o cabelo em 2 partes e cortámos isso primeiro. E depois foi tudo de seguida. 

Sentir a superfície da minha cabeça sem cabelo foi uma sensação agradável. Mesmo. O pior foi mesmo quando senti a necessidade de ver o que estava a acontecer e pedi o telemóvel à MV. Fui surpreendida pela nova imagem e a emoção tomou conta de mim e permiti-me chorar. E vou permitir-me sempre que sentir essa necessidade. 

Preferia ter cabelo, mas não desgosto da minha imagem sem cabelo. Destaca muito os meus traços, as minhas imperfeições, o tempo que já passou por mim. O cabelo ajuda a distrair e a ornamentar. Dá uma moldura ao rosto e agora já não a tenho. 

Entretanto, ainda vou perder outras molduras: as sobrancelhas e as pestanas. E ainda assim continuarei a ser eu. Sou sempre eu.

Depois de cortar o cabelo, fui tomar banho. A sensação da água na cabeça é completamente diferente. É agradável, acreditem. O meu banho agora está reduzido a uns breves 5 minutos. Quem tem o cabelo tão comprido como eu tinha saberá que a rotina de um cabelo bonito demora o seu tempo. Acabou-se o champô, o amaciador, a máscara, o serum, o óleo, spray disto e daquilo. Tudo suspenso, para já, embora já me tenham dito que tenho que continuar a usar champô e amaciador. 

Arrependo-me de ter feito um corte de cabelo antes de ter começado a quimioterapia. Fiz uma franja para se aproximar mais das perucas que tinha pensado usar e cortei ao comprimento para me ir habituando. Não existe essa coisa do hábito. Não me habituei à franja e acho que essa falta de identificação até ajudou a que me quisesse livrar do cabelo definitivamente. 

No dia seguinte, tive que sair para fazer fisioterapia e ir buscar a MV ao colégio. Não me apetecia lidar com os olhares de pena ou de surpresa. Coloquei uma peruca. E no dia seguinte fiz o mesmo. 


Ao longo destas semanas, tratei de comprar várias perucas. Não são iguais ao meu cabelo. Acho que as perucas de cabelo natural são caríssimas. Consigo imaginar várias outras coisas que me trariam mais felicidade do gastar milhares de euros numa peruca que vou usar durante uns meses. Resolvi então comprar perucas sintéticas e brincar um pouco com a minha imagem. Se acho confortável? Não, não acho. Nota-se à distância que é cabelo falso e custa-me um bocado porque eu sou super a favor da naturalidade. Eu só pintava o cabelo, mas não gostava de usar pestanas falsas, nem mesmo muita maquilhagem ou filtros. Provavelmente, agora vou ter que me socorrer disso tudo. 

Em casa, procuro não usar nada. É como me sinto melhor, mas a simples movimentação de ar quando me desloco arrefece-me. Uso gorros, mas não gosto do que vejo. Continuo a preferir estar ao natural.


Fiz uma publicação com o vídeo acima nas redes sociais e foi este o texto que o acompanhou:

Não me considero uma guerreira, não me propus para uma guerra. Simplesmente, não tive escolha. Fui obrigada a enfrentar esta doença para salvar a minha vida e, nesse processo, aprendi que a validação da beleza não tem lugar quando a nossa existência está em risco. O cabelo ou a aparência nunca foram o que me define, e nunca me definirão. Não preciso dessa validação. A beleza e a juventude são efémeras e toda a gente sabe disso.

Mesmo quando confrontada com isto tudo, procuro cuidar de mim – tanto por dentro como por fora. Admito que me faz bem à alma olhar-me ao espelho e gostar do meu reflexo.

Os tratamentos que faço são extremamente agressivos, mas, felizmente, têm-se tornado cada vez menos prejudiciais para os doentes. A medicina avançou imenso no tratamento do cancro da mama e, quando detetado precocemente, há possibilidade de cura. Iniciei a quimioterapia branca, que tem sido bem tolerada, e, até agora, os efeitos colaterais têm sido relativamente leves – cansaço, aumento de apetite e, agora, a perda de cabelo.

A queda de cabelo não é um sinal de doença, mas sim de que o tratamento está a agir e de que me estou a curar. 

Faço questão partilhar a minha experiência porque eu procurei muita informação na primeira pessoa. Precisava de contactar com outras mulheres que tivessem passado pelo mesmo. Sei que, infelizmente, mais mulheres serão diagnosticadas com cancro de mama e que esse processo não precisa de ser aterrorizante e solitário. Para mim, apesar dos desafios, a experiência tem sido cheia de aprendizagens, mas tranquila, e serei sempre transparente, independentemente do que o futuro traga. Tenho a plena noção que com o acumular de tratamentos e com a próxima quimio vermelha os dias se tornarão mais difíceis. 

Para aquelas pessoas que quiserem saber mais detalhes sobre o meu caso e queiram encontrar informações que as possam ajudar, estou a documentar tudo no meu blogue desde o primeiro dia. O link encontra-se no meu perfil.

O objetivo foi mesmo poupar-me a comentários piedosos, mas eles apareceram na mesma. As pessoas continuam a pensar que eu estou preocupada com a minha imagem, e eu continuo a preocupar-me com a minha saúde. Aliás, quando comecei o tratamento, a pergunta que mais me faziam era “E o cabelo?”. Preferia que me tivessem perguntado como estava ou como me sentia. 

Honestamente, sinto que os comentários que me dirigem ou as perguntas que me fazem vêm do fundo dos seus próprios medos.  É o confronto com algo que lhes poderia acontecer e isso assusta. Não levo nada a mal. Mesmo. Mas magoa.

Há uns dias estive com uma pessoa que me cumprimentou, disparou um “Estás tão linda!” e virou costas. Claramente, não soube lidar comigo. E eu compreendo. 

Está tudo bem. Eu não sou só cabelo e posso continuar a explorar a minha feminilidade. Eu continuo a ser eu. 

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