8.3.25

Dias difíceis

Os dias que se seguiram à última quimio têm sido mais difíceis do que o habitual. 

Não tenho dores de qualquer espécie, mas tenho uma inércia que não estou habituada a sentir. E eu sou bastante preguiçosa, mas isto é outro nível. 

Tenho dificuldade em dormir, durmo pouco, mas também não tenho ânimo para sair da cama. Passei todas as manhãs na cama. Levanto-me para almoçar e volto para a cama ou o sofá. 

O tempo não tem estado de feição para ir caminhar, por isso esta semana não fiz caminhadas. Se estivesse sol, talvez tivesse mais vontade. Fiz 2 treinos esta semana. Não me custou muito fazê-los, mas se tivesse que sair de casa para treinar, não teria ido.

Quando limpo o nariz sai sempre sangue, mas não chega a ser uma hemorragia. É dos anticoagulantes que me injetam durante a quimio. Pelo menos, as plaquetas ainda fazem a sua função. 

A minha memória está pelas ruas da amargura. Falta-me vocabulário, tenho hesitações a conversar. Isto, sim, preocupa-me. Fala-se muito em chemo brain e brain fog. Tenho que perceber de que forma posso contornar este problema porque não estou a conseguir lidar com isto. Retomei as aulas de italiano para pôr a cabeça a pensar em algo novo.

Esta semana também bateu uma depressãozinha. Nunca me senti tão em baixo desde aquela altura em que aguardava o diagnóstico. Passaram 3 meses desde que isto tudo começou e estou a acusar o cansaço de quem ainda tem tanto pela frente. Perdi aquela pica de me livrar desta merda. Na próxima segunda faço análises, na terça faço o tratamento e é mais do mesmo durante mais 5 semanas. Estou farta!

O cabelo não cai todo, mas cai imenso e o que resta dele continua a crescer. Só deve cair completamente quando começar a quimio vermelha. Ainda falta mais de um mês. Passar a máquina na cabeça provoca-me borbulhinhas. Andar de cabeça nua faz-me frio. Não gosto de usar gorros ou chapéus na cabeça sem cabelo. Os lenços fazem-me lembrar a puta da doença. 

Hoje pus a peruca mais parecida com o meu cabelo. Achei super estranho. Já não me revejo no cabelo comprido. 

Estou cansada de tudo. Hoje perdi a paciência com as piadas do Filipe. Habitualmente sou eu que faço graças com a minha situação, mas cansei-me! Estou zangada por estar careca, por ter engordado, por ter a minha vida suspensa. Há tanta coisa que eu quero fazer e estou presa a isto, a lutar para ter uma vida melhor e mais longa. 

O meu braço direito está a preocupar-me. Dói-me, está ligeiramente mais inchado do que o esquerdo. Ando a fazer drenagem manual a mim própria, mas tenho receio que fiquei assim para sempre. Ou pior, que inche de forma irreversível. 

Tenho a sensação de que as minhas sobrancelhas estão a começar a cair. Só mais uma coisa a acrescentar à lista…

Ir-me abaixo é sinal de que tenho as emoções no sítio. Já estava a achar estranho estar sempre motivada e animada. Quem pode estar sempre assim num processo de cancro? Parecia que estava a dissociar-me do que me estava a acontecer, mas é bom olhar para as dificuldades de frente e voltar a enfrentar tudo com força. 



4.3.25

Quimio 7/12

Ontem fiz quimio. Excepcionalmente não foi à terça, por ser Carnaval, por isso fui lá ontem. Estava uma autêntica feira porque devem ter passado tudo o que era de terça-feira para segunda e quarta. Esperei mais do que o habitual para ser chamada para as análises. Fui colher as análises na sala dos tratamentos e foi o enfermeiro que habitualmente está comigo que me recebeu. Pela primeira vez, colheram-me o sangue para análise através do CTI. Fizeram a preparação habitual e aplicaram-me o cateter externo de onde retiraram o sangue. Depois, fiquei já com o cateter colocado para fazer a quimio à tarde e poupei mais um furo no braço. 


Quando cheguei, fui a um gabinete onde estavam 2 médicas jovens. Falamos das análises, estava todo ok, segui para o tratamento. 

Gosto muito mais de estar na sala das camas. É mais confortável, consigo dormir e até baixam a intensidade das luzes. Habitualmente, os outros pacientes preferem os cadeirões porque acham que as camas lhes fazem lembrar que estão doentes. 

Logo depois de me injetarem o anti-histamínico, adormeci. Levei a mantinha e que bem que soube o soninho… Pouco depois de acordar, chegou a minha médica com um interno. Eu tinha uma lista de questões nas minhas notas. Tenho a sensação de que os médicos não gostam de ser questionado e remetem logo para segundas opiniões. Eu só pedi orientações a nível de suplementação segura, mas deixaram ao meu critério. 

Pausa estratégica para ir à casa de banho. Aqueles soros todos dão uma vontade louca de fazer xixi. Vou sempre acompanhada do material.  


Entretanto, a medicação correu toda, limparam o cateter com soro, colocaram um penso no local que picaram e saí. 

Ir à quimio tem sido um processo muito tranquilo. Já sei que saio de lá meio abananada e que nos dias seguintes me sinto mais cansada.

Esta noite não dormi bem. Acordei muito cedo, não voltei a adormecer. De manhã treinei e arranjei-me. Não dormi sesta porque tive consulta online com o psicólogo. Vou ver se consigo dormir cedo e recuperar algum descanso.

3.3.25

Amigas

Ontem foi sábado e as minhas amigas convocaram-me para um lanche. Só uma não pôde ir e eu também não me recusei a ir. Estava um belo dia de sol, embora muito frio. 

Agasalhei-me e levei a Blondie. Estava muito frio para sair de cabeça descoberta. Passámos a tarde numa esplanada no centro da cidade. 


Já sentia falta de estar com as meninas, embora falemos com muita regularidade. É bom ouvir os problemas dos outros, para variar. Aliás, é importante que os nossos amigos percebam que os problemas deles continuam a ser importantes e que juntos possamos resolvê-los. E é importante rir e eu rio muito com as minhas meninas.

Enquanto estava com elas, recebi uma chamada de uma pessoa muito especial para mim. Ela é a minha amiga mais antiga porque a conheço desde que nasci. Foi a minha madrinha de casamento. Falamos muito pouco agora, e ela nem sequer está assim tão longe, mas simplesmente as nossas vidas foram seguindo rumos diferentes. O amor entre nós não muda, falemos muito ou pouco. 

Regresso à mesa das amigas e o telefone toca de novo. Recebo uma chamada de S. Tomé e Príncipe. Outra amiga especial, com quem partilhei um estágio como professora. Já não falávamos há imensos anos, mas fiquei mesmo feliz por ela me ter procurado. Ainda bem que tenho o mesmo número de telefone desde 97. Sim, sou mesmo antiga. 

O desafio que estou a enfrentar está a aproximar-me de pessoas que já foram próximas. Uma doença coloca-nos de frente com a nossa finitude. Sabemos que um dia vamos morrer, mas uma doença lembra-nos disso constantemente. E o mesmo acontece quando é alguém com quem já nos cruzámos em algum momento da nossa vida.

É muito bom que tenhamos bem presente a impermanência da vida e que tenhamos a coragem para fazer aquele telefonema, mandar aquela mensagem. Não adiar. 

Sou muito grata pela onda de amor que tenho recebido. E não é só pena, sinto que também é admiração e isso faz-me muito bem e dá-me muito ânimo para enfrentar os meus dias. 

28.2.25

Treinar durante a quimio

À sexta quimio veio o tal do cansaço que nos derruba. Nunca tinha sentido isto, embora já me sentisse cansada antes. Curiosamente, esta semana também treinei mais, por isso também tenho tido mais dores musculares do que o habitual.

Hoje de manhã, ajudei a preparar a minha mais que tudo para o desfile de Carnaval. Estava linda! 

Depois, fui até ao Hospital de Dia porque me tinham ligado para fazer as análises hoje, já que farei a quimio na segunda-feira. Estava já a entrar na sala das análises quando chega uma enfermeira a dizer-me que não poderia fazer as análises hoje. Era muito cedo, tendo em conta que fiz quimio apenas há 3 dias. Precisava de mais tempo para recuperar os valores. Por isso, vou ter que ir fazer as análises da segunda de manhã para saber se poderei fazer a quimio de tarde. Ou seja, quem me ligou não prestou atenção às datas dos meus tratamentos. 

Voltei para casa e não fui ver o desfile da minha querida filha. Estava super cansada e meti-me na cama. Ainda dormi mais um pouco e, por volta do meio dia, começo a receber mensagens do grupo de exercício físico do WhatsApp. Estava a aproximar-se a hora do treino. 

Enchi-me de coragem, levantei-me e equipei-me. Se estivesse a treinar fora de casa, certamente hoje não teria feito nada. Não tinha a energia para sair de casa, ir treinar e regressar. 

Treino com o Hugo Ribeiro, que é especialista em exercício oncológico. Entramos no zoom e, juntamente com um pequeno grupo de outras senhoras que tiveram ou têm cancro de mama, fazemos um treino orientado para as nossas necessidades. 

No momento atual, fazer estes treinos tem sido uma mais valia porque não preciso de sair de casa. Numa altura em que tenho a imunidade comprometida e muita falta de vontade de me mexer, ter este incentivo é excelente. O exercício físico é de capital importância durante os tratamentos e para evitar recidivas. 

Pronto, hoje foi o que fiz. Não consegui ir andar a pé, mas trabalhei as pernas, braços e o core. De tarde, apetecia-me ir para a cama, mas o sol estava tão bom que decidi fazer outra coisa. Muni-me de uma manta quente, boné e um livro e instalei-me numa espreguiçadeira ao lado da piscina. Ali fiquei, ao sol, mas protegida do mesmo e voltei a adormecer. Soube-me mesmo bem. 

Amanhã espero ter mais energia. 💪





27.2.25

Primeiro dia em baixo

Hoje foi o primeiro dia, desde que iniciei os tratamentos, em que me senti em baixo. Os dois dias anteriores de insónias também não devem ter ajudado muito.

Acordei para preparar a miúda para o colégio, mas não me consegui levantar da cama. Fui controlando tudo à distância, mas não a ajudei em nada.

Tentei manter-me acordada, ouvi o podcast da Joana Marques, mas rapidamente adormeci. Estive on & off até às 12, mas só saí da cama às 13. Vesti um hoodie por cima do pijama e fui almoçar. O barulho incomoda-me. Até o barulho dos talheres a encostar nos pratos. 

Passei a tarde no sofá, à lareira, e vi um filme na Prime - Anyone but you. Não consegui ter energia para ler. Preferi ver uma comédia e este filme foi bem interessante, até porque é inspirado na peça Much Ado About Nothing, de Shakespeare. Ligeiro como eu precisava.

Ao fim do dia, tive que ir buscar a MV ao colégio e ainda passei no Continente, mas fui contrariada. Apetecia-me cama. 

Ajudei-a a preparar a roupa para amanhã, já que vai haver desfile de Carnaval. A turma dela vai representar países e culturas, como já aconteceu no passado. Da outra vez, representou o Japão e amanhã representará a Índia. Tenho muita roupa e acessórios que a minha querida Krupa me ofereceu. Tivemos que fazer algumas adaptações porque amanhã vai estar mesmo muito frio. 



26.2.25

Quimio 6/12

Mais uma voltinha ao Hospital de Dia para a 6a sessão de quimioterapia branca.

Sinto-me super confortável em andar pelos hospitais de cabelo rapado. Na rua tenho mais receio dos olhares, mas esta semana até fui buscar a miúda ao colégio assim. Foi muito rápido e não deu para avaliar as reações.

Desta vez fui com um bocado de receio devido ao cateter e avisei a enfermeira. Também levei uma roupa mais aberta para não dificultar o trabalho. Não doeu e hoje também não dói. Mas a enfermeira confirmou que o cateter está mais profundo, sim.

Recebi a visita da Lena, que é médica no hospital. Soube-me tão bem ver por ali uma cara familiar. E ela é uma querida! Além de que tem as filhas mais fofinhas! Antes de ir embora ofereceu me um livro da Joana Marques. Sou super fã, não passo sem o podcast Extremamente Desagradável e é o tipo de leitura que me apetece fazer nesta fase. Veio mesmo a calhar. 

Por incrível que pareça, não tenho lido nada. Tinha começado a ler um livro que queria muito (faz parte de uma quadrilogia da Elena Ferrante) quando o Filipe teve o acidente em Agosto. Nunca mais lhe consegui pegar e continua na mesa de cabeceira. Entretanto, fiz uma tentativa com um livro mais “fácil” da saga da Criada e também o abandonei após as primeiras páginas. Acho que vai ser mesmo este da Joana Marques que vai quebrar o enguiço porque comecei a lê-lo no cadeirão da quimio. 

Para o meu almoço, voltei a levar 2 sandes, de ovo e de carne. E esqueci-me que tinha uma banana, ou também a teria comido. Desta vez, consegui dormir um pouco após me darem o anti-histamínico, mas aqueles cadeirões são muito desconfortáveis. 

Há duas salas para administração da quimio: a dos cadeirões e a das camas. Claramente, prefiro ir para as camas, são mais confortáveis e o descanso é outro. Só a luz na sala das camas me incomoda um pouco porque é quase totalmente artificial. A luz natural entra por umas janelas muito pequenas na parte superior da parede. Já a sala dos cadeirões tem muitas janelas e grandes para o exterior, vemos a rua e veem-nos a nós. Ontem estava um dia muito solarengo, eu estava de frente para essas janelas e o sol batia-me na cara.

Entretanto, acordada da minha breve soneca, uma senhora que tinha chegado perguntou-me se eu era a Mara. Esta senhora é minha vizinha e já tínhamos falado por mensagem, só que não nos conhecíamos pessoalmente. Estivemos a conversar com outra senhora pelo meio e foi muito bom. Já fez os tratamentos todos, a cirurgia e agora faz imunoterapia. Estava giríssima com o cabelo curto e super animada. Também não teve grandes efeitos secundários, o que me dá esperança para continuar animada. 

Em casa, não consegui dormir mais. Nem a botija de água quente que a D. São me deixou já na cama aberta puseram a dormir. E isso leva-me a um novo efeito secundário: a insónia.

Adormeci já bem depois das 2 da manhã e acordei às 6. Isto é completamente atípico em mim. Eu durmo, gosto de dormir e preciso de dormir umas boas 7 horas. Hoje, deixei-me ficar na cama para recuperar algum sono e não consegui dormir. Vou levantar-me e fazer uma caminhada. 

A outra coisa que me está a incomodar muito é o apetite exagerado. Tenho andado descontrolada e vou parar isto imediatamente. Não aceito engordar porque é algo que tenho algum poder de mudar. E este é um compromisso que faço comigo.