14.11.22

Sotaque de Vila Real

A cadeira que mais gosto tive em estudar foi História da Língua Portuguesa. Já nem sei se era este exatamente o nome da disciplina, mas era isso que lá se estudava. Consegui perceber o motivo de termos tantos sotaques diferentes em Portugal, país tão pequeno, mas tão rico.

Eu sou de Chaves e por lá temos um sotaque delicioso e inconfundível. A vida trouxe-me para Vila Real, que não dista mais do que 70 km de Chaves. No entanto, a forma como aqui se expressam é um pouco diferente. O mais engraçado é como pronunciam algumas palavras e o impacto que elas têm na forma como as crianças podem aprender a escrevê-las.

Eis alguns exemplos:

- Corgo - O rio que atravessa Vila Real é pronunciado pelos locais como Córgo;

- Gomes - A pastelaria histórica da cidade fica situada na esquina com o mesmo nome: a esquina da Gómes;

- Estômago aqui é Estómago;

- Comboio em Vila Real é "Combôio";

- E o Céu é carinhosamente pronunciado como "Seu".

Consigo observar que cada vez menos pessoas fala desta forma, talvez devido à influência generalizada que a língua sofre. Também acho que é uma pena que se perca esta característica. 

Destas palavras, as únicas que pronuncio como os locais é Corgo e Gomes (apenas como referência à tal pastelaria). Se não os consegues vencer, junta-te a eles. 


22.10.22

Como ajudar alguém que está doente?

Por vezes, conhecemos alguém que está a passar por um problema de saúde e não sabemos como ajudar. Mesmo não podendo resolver todos os problemas dos outros, há sempre alguma forma fazermos a diferença na vida da outra pessoa:

- Um telefonema. Pode ser uma chamada curta, só perguntar como a pessoa está, manter o interesse no outro. Às vezes, é só preciso isso para animar um dia inteiro. O que pensar de amigos que se afastam?

- Saber ouvir. Há quem não suporte ouvir lamúrias, mas também há quem precise muito de aliviar o que sente ou o que está a passar. Seja esse ouvido. 

- Uma visita com uma refeição pronta. É menos uma preocupação e sabe tão bem comer algo que não foi preparado por nós.

- Acompanhar a uma consulta. Podem deixar a pessoa à porta, podem ir buscá-la ou podem acompanhar a pessoa durante a consulta, caso ela vá sozinha. Por vezes, consultas médicas requerem um dia inteiro e é triste ver tanta gente sozinha e completamente desorientada. 

- Fazer as compras. Ir à farmácia ou ao supermercado pode ser complicado para pessoas mais velhas ou debilitadas. É uma excelente forma de ajudar alguém. 

- Limpar a casa. Se a pessoa está doente, poderá ter dificuldades em manter a higiene da casa. Pode ajudar?


2.9.22

A máquina de lavar roupa

Tinham acabado de jantar e ela ainda tinha que tratar da roupa que tinha deixado a lavar. Ele já tinha adormecido no sofá e ela tirava a roupa da máquina. Naquele momento, deu por si a pensar que mais parecia estar casada com um primo.


Nessa mesma noite, pediu-lhe o divórcio. 


Nunca tinham discutido, nunca houve uma voz mais elevada. Havia muito respeito mútuo e amizade. Tanta amizade que já não cabia num casamento. 


Ele ficou silencioso, em choque, com aquela decisão súbita. Depois, perguntou-lhe se havia alguém. Não, não havia ninguém. Era só ela que não queria viver naquele marasmo de trabalhar imenso, chegar a casa e preparar o jantar, tratar da roupa, da casa. No dia seguinte, a mesma coisa. E no seguinte, igual. 


Claro que ele compreendeu. Ele era o outro elemento daquela equação. Ele também vivia no marasmo. Só que ele estava confortável. 


Ambos saíram de casa e alugaram-na até a conseguirem vender.


Poucas semanas mais tarde, ela foi cuscar o Facebook dele. “O primo” que adormecia no sofá até ao dia seguinte tinha conhecido uma pessoa de um país tropical, tinha-se mudado para esse país tropical e passava a vida em festas, bem regadas a cerveja. 

7.6.22

"Hello darkness, my old friend”

Todos conhecemos a icónica canção de Paul Simon & Art Garfunkel, mas confesso que não estava preparada para a espantosa história por detrás do primeiro verso de The Sounds of Silence.


Tudo começou quando Arthur "Art" Garfunkel, um miúdo judeu de Queens, se matriculou na Universidade de Columbia. Durante a orientação dos caloiros, Art conheceu um aluno de Buffalo, chamado Sandy Greenberg, e imediatamente se uniu à sua paixão partilhada por literatura e música. Art e Sandy tornaram-se companheiros de quarto e melhores amigos. Com o idealismo da juventude, prometeram estar lá um para o outro, acontecesse o que acontecesse.


Pouco depois de começar a faculdade, Sandy foi atingido pela tragédia. A sua visão tornou-se desfocada e, embora os médicos tenham diagnosticado como conjuntivite temporária, o problema agravou-se. Finalmente, após consultar um especialista, Sandy recebeu a notícia devastadora de que um glaucoma grave estava a destruir os seus nervos ópticos. O jovem com um futuro tão brilhante ficaria em breve completamente cego.


Sandy ficou arrasado e caiu numa depressão profunda. Desistiu do seu sonho de se tornar advogado e voltou para Buffalo, pois estava preocupado em ser um fardo para a sua família com dificuldades financeiras. Consumido com vergonha e medo, Sandy cortou o contacto com os seus velhos amigos, recusando-se a responder a cartas ou a responder a telefonemas. 


De repente, para choque de Sandy, o seu amigo Art apareceu-lhe à porta. Ele não ia permitir que o seu melhor amigo desistisse da vida, por isso comprou um bilhete e voou para Buffalo sem avisar. Art convenceu Sandy a dar outra oportunidade à faculdade, e prometeu que estaria ao seu lado para garantir que não cairia - literalmente ou figurativamente.


Art manteve a sua promessa, acompanhando fielmente Sandy pelo campus e servindo efectivamente como seus olhos. Era importante para a Art que, apesar de Sandy ter sido mergulhado num mundo de escuridão, ele nunca se sentisse sozinho. Na verdade, Art começou a intitular-se "Darkness" (escuridão) para demonstrar a sua empatia com o seu amigo. Ele dizia coisas como: "A escuridão vai ler para ti, agora". Art organizou a sua vida em torno da ajuda a Sandy.


Um dia, Art estava a guiar Sandy através da sobrelotada Grand Central Station quando, de repente, disse que tinha de ir e deixou o seu amigo sozinho e chocado. Sandy tropeçou, esbarrou nas pessoas, e caiu, fazendo até um corte na canela. Após algumas horas infernais, Sandy entrou finalmente no metro certo. Depois de sair da estação na rua 116, Sandy esbarrou com alguém que rapidamente pediu desculpa - e Sandy reconheceu imediatamente a voz de Art! Afinal, o seu amigo de confiança tinha-o seguido durante todo o caminho para casa, certificando-se de que estava seguro e dando-lhe o dom inestimável da independência. Sandy disse mais tarde: "Aquele momento foi a faísca que me fez viver uma vida completamente diferente, sem medo, sem dúvida. Por isso, estou tremendamente grato ao meu amigo".


Sandy formou-se em Columbia e depois obteve diplomas de pós-graduação em Harvard e Oxford. Casou com a sua namorada do liceu e tornou-se um empresário e filantropo extremamente bem sucedido. 


Enquanto esteve em Oxford, Sandy recebeu uma chamada de Art. Desta vez, foi a Art que precisou de ajuda. Ele tinha formado um duo de folk rock com o seu amigo de liceu, Paul Simon, e eles precisavam desesperadamente de 400 dólares para gravar o seu primeiro álbum. Sandy e a sua esposa Sue tinham literalmente 404 dólares na sua conta bancária, mas sem hesitação Sandy deu ao seu velho amigo o que ele precisava.


Arte e o primeiro álbum de Paul não foi um sucesso, mas uma das canções, The Sound of Silence, tornou-se num sucesso número 1 um ano depois. A linha de abertura ecoou a forma como Sandy sempre saudou a Art. Simon & Garfunkel passou a ser um dos grupos musicais mais amados da história.


Os dois licenciados da Columbia, cada um dos quais acrescentou tanto ao mundo à sua maneira, continuam a ser os melhores amigos. Art Garfunkel disse que quando se tornou amigo de Sandy, "a minha vida real emergiu". Tornei-me um tipo melhor aos meus próprios olhos, e comecei a ver quem eu era - alguém que dá a um amigo". Sandy descreve-se a si próprio como "o homem mais sortudo do mundo".


Adaptado do livro de memórias de Sandy Greenberg: "Hello darkness, my old friend": Como Sonhos Ousados e Amizade Inabalável Transformaram a Cegueira de Um Homem numa Visão Extraordinária para a Vida".


Hello darkness, my old friend

I've come to talk with you again

Because a vision softly creeping

Left its seeds while I was sleeping

And the vision that was planted in my brain

Still remains

Within the sound of silence

In restless dreams I walked alone

Narrow streets of cobblestone

'Neath the halo of a street lamp

I turned my collar to the cold and damp

When my eyes were stabbed by the flash of a neon light

That split the night

And touched the sound of silence

And in the naked light I saw

Ten thousand people, maybe more

People talking without speaking

People hearing without listening

People writing songs that voices never share

No one dared

Disturb the sound of silence

"Fools" said I, "You do not know

Silence like a cancer grows

Hear my words that I might teach you

Take my arms that I might reach you"

But my words like silent raindrops fell

And echoed in the wells of silence

And the people bowed and prayed

To the neon god they made

And the sign flashed out its warning

In the words that it was forming

And the sign said, "The words of the prophets

Are written on the subway walls

And tenement halls

And whispered in the sounds of silence"





29.5.22

Edifício Copan - São Paulo

Foi projectado nos anos 50, por Oscar Niemeyer, para celebrar o aniversário da cidade de São Paulo. As suas ondas iriam contrastar com os edifícios angulosos já existentes. 

A sua construção foi demorada e cheia de impasses e de alterações, facto que levou Niemeyer a demarcar-se do projecto. Quem acompanhou toda a obra foi o Engenheiro Carlos Lemos e questiona-se se é um edifício realmente de Niemeyer, visto que só o exterior é associado ao arquiteto. 

Originalmente, o projecto juntava 2 edifícios. Um residencial que teria 30 andares e outro que teria um hotel com 600 apartamentos. Os dois seriam ligados por uma estrutura que teria garagem, cinema, teatro e comércio. 

Acabou por só se construir o edifício residencial que tinha 1160 apartamentos de diferentes tipologias distribuídos por 35 andares. O Copan conta também com 72 lojas, 1 cinema que é atualmente uma igreja evangélica, 20 elevadores e 221 lugares de estacionamento subterrâneos. 

Aquando da sua inauguração, o Copan era dos metros quadrados mais caros de São Paulo e sinónimo de glamour. 

No entanto, no final da década de 70 e de 80, o edifício degradou-se. Os elevadores não funcionavam, o lixo acumulava-se e a sua imagem associou-se a um ambiente problemático. Havia um contraste claro entre os diferentes blocos. O bloco D tem apartamentos de 3 quartos, onde moravam pessoas com grande poder aquisitivo, por oposição ao bloco B, considerado o mais pobre do prédio por ter estudos e T1.

Só nos depois dos anos 90 é que o Copan atraiu a classe média, que procurava alojamento de qualidade a baixos preços. 

Atualmente, vivem neste prédio pessoas de várias classes sociais e ocupações diferentes. 

O edifício Copan tem um código postal próprio e ainda é o maior prédio residencial em cimento armado do Brasil. Hoje em dia, recebe visitas bi-diárias de curiosos para conhecerem o edifício. 







19.5.22

Ela tinha acabado de meter o último copo na máquina de lavar loiça quando percebeu que ainda teria que ir à rua levar o lixo. Já sentia o cansaço nos olhos e nos ombros, mas ainda foi passar o pano húmido sobre a placa do fogão. Ninguém lhe valorizava o esforço, mas ela gostava de ver tudo limpinho quando chegava novamente à cozinha de manhã para o pequeno-almoço.

Vestiu o casaco de lã e foi ao lixo. Não podia deixar o lixo em casa porque o raio do gato desfazia tudo à procura de restos de comida. Tanto fazia comer bem como não. Tinha nele o instinto de procurar alimento. Por isso, por mais cansada que estivesse, não podia mesmo deixar o lixo em casa ou estaria tudo espalhado pelo chão no dia seguinte. 


Entanto descia as escadas, reparou que no prédio da frente o marido estava aos comandos da cozinha. “Que sorte!” Pensou ela. Depois, corrigiu-se mentalmente. Lembrou-se das palavras da Ana que também tinha um marido que cozinhava. Não admitia que ninguém lhe dissesse que tinha sorte. Ele cozinhava e ela fazia outras coisas. Ok, não é sorte. Então, é o quê? Quem não tem isso pode dizer que tem azar?